O ano era 1986. A chuteira da turma era o famoso kichute preto. Eu tinha apenas 8 anos de idade. O suficiente para saber que a Terra era redonda como uma bola de futebol. Par ou ímpar. O vencedor começava a convocação dos pequenos atletas.
Chutávamos a bola na baliza formada pelos dois ligustros do saudoso Seu Timóteo. A bola era de borracha azul. Em dias de chuva, cuidávamos para não levar o dolorido ‘selaço’ no lombo descamisado.
A bola pipocava faceira na ladeira da Cordeiro de Farias. As paredes da vizinhança eram tingidas pelos perfeitos círculos de barro vermelho. Os vizinhos compreendiam os sonhos da gurizada.
Queríamos a perfeição futebolística. No distante México, Diego era a perfeição. A gurizada sentava-se na frente da televisão repleta de chuviscos. A tela ideal para as pinturas de Dom Diego.
Partindo do meio-campo, ele driblou seis adversários na partida contra a Inglaterra. O gol do século.
– “Para que o país seja um punho apertado gritando pela Argentina”, gritou Victor Hugo Morales em épica narração.
Naquele instante, as luzes apagaram-se na Colômbia. Numa estranha razão celeste, o menino Manuel Alba Olivares assistia ao último gol da sua vida. Galeano conta que o pequeno colombiano perdeu a visão após a jogada mágica de Maradona.
Não sabíamos o que era o orgulho latino-americano. Dom Diego nos ensinou uma lição sobre dignidade. Era possível vencer os colonizadores, humilhá-los na mesma razão divina de Pizarro – era ‘la mano de Dios’ em penitência latina pelos ventres indígenas rasgados.
Era Diego derrubando a força militar de além-mar no sublime gramado verde. Nós, os meninos missioneiros, na pequena Santo Ângelo, vizinhando com o norte Argentino, queríamos ser Maradona; não italianos, alemães ou ingleses.
Diego, na mágica solidão do futebol, venceu os exploradores. Aquele menino pobre dos arredores de Buenos Aires era a vingança da América Latina.
A divindade pecadora. A dura luta contra as drogas. Talvez fosse humano. Não é possível julgar o sobrenatural. Foi uma lenda. Segue agora para o plano mitológico.
A partida de um dos gênios do futebol mundial pode ser definida pelas palavras tristeza e nostalgia. Nesse meu olhar míope sobre o mundo, posso dizer que Maradona não nos brindou apenas com o melhor do futebol, Dom Diego, em dribles, nos deu a liberdade para latinamente sonhar.
Adiós!